segunda-feira, 6 de abril de 2009

Elementos para uma História da Alimentação 1


Os primeiros tempos
Desde os tempos mais remotos que comer não é apenas alimentar-se, mas também um acto social.
Entre os povos primitivos, a refeição em comum estabelecia um vínculo, uma obrigação tácita de auxílio e ami­zade. Comer do mesmo prato era a prova maior de fraternidade.
No início comia-se de modo muito simplista, importando mais a quantidade do que a qualidade. Desde que matasse a fome qualquer alimento servia. Mas a evolução mudou muito as coisas. Com o tempo os nossos antepassados foram apurando o gosto e a exigência.
Nas sociedades cada vez mais ricas e desenvolvidas, a comida passou a merecer um interesse e um cuidado especiais. Em cada região se desenvolveram hábitos alimentares característicos, que reflectiam a cultura e o grau de civilização dos povos.
Tanto no Oriente como no Ocidente muitas pessoas de talento e paladar refinado se foram dedicando à preparação, ao desenvolvimento, ao consumo e ao estudo dos alimentos. E deste modo, paulatinamente, surgem uma Ciência, a Dietética, que estuda os processos que conduzem a que se coma cada vez melhor, e uma Arte, a Gastronomia, que podemos definir como a preocupação de bem comer.
Os chimpanzés, nossos parentes primatas mais próximos, alimentam-se de folhas, frutos e alguma carne quando vivem em liberdade. É de crer que o mesmo aconteceria com os primeiros seres humanos. Contribui também para esta ideia o que conhecemos dos povos que, ainda hoje, vivem muito próximo desse estádio de desenvolvimento, como é o caso de alguns aborígenes e de alguns índios da Amazónia. A sua alimentação inclui folhas, raízes, fruta, insectos, pequenos roedores, alguma caça maior e, no caso dos últimos, peixe. Mesmo assim os produtos de origem animal não ultrapassam normalmente os 25% da ração diária.
Uma mudança climática, tornando o ambiente mais seco, privou os nossos antepassados de muitos dos recursos vegetais, sendo estes forçados a um maior consumo de carne e a uma melhor organização das caçadas[1]. Isto teria originado o desenvolvimento da comunicação, das faculdades intelectuais, da divisão por sexo das actividades no grupo e da cooperação entre indivíduos e entre sexos.
A recolecção de vegetais nunca deixou de ter grande importância quer no aspecto nutricional quer no económico, principalmente após a descoberta do fogo que tornou possível o consumo de vegetais que eram tóxicos quando crus.
Por volta de 5000 a.C, com o fim dos glaciares, o clima nas latitudes médias da Europa passa a ser temperado húmido, o que faz com que a vegetação se adense e as grandes manadas de herbívoros desaparecem, dando lugar aos animais de médio e pequeno porte, o que tem como consequência a diminuição da carne disponível. O homem, tradicional habitante das planícies e planaltos abrigados, desloca-se mais para o litoral, onde abunda o peixe e as aves aquáticas com os seus ovos. Mas outras fontes de alimentação se tornam disponíveis - vegetais, moluscos, pássaros grandes e pequenos, renas, javalis, lebres e coelhos, e outros pitéus menos utilizados hoje em dia como caracóis, lesmas e cobras.
As gravuras e pinturas rupestres ajudam-nos a traçar um perfil algo aproximado de uma dieta paleolítica, que incluiria a carne de grandes e médios animais, mas também outros produtos que eram recolhidos, como é o caso do mel, muito importante no equilíbrio de dietas pobres.
É importante lembrar que a descoberta e o domínio do fogo constituiu a primeira grande revolução alimentar humana, já que permitiu conservar mais facilmente alguns alimentos, bem como torna-los mais comestíveis e digeríveis. Costuma dizer-se por isso que o fogo foi o primeiro tempero que o homem utilizou.
No início do Neolítico dá-se a segunda grande revolução, a descoberta da agricultura, que, com a quase simultânea descoberta da domesticação, lançou as bases da nossa alimentação tradicional: cultura de cereais (trigo e centeio, principalmente), e criação de carneiros, cabras e porcos.
Na Europa temperada, o consumo dos cereais e da carne dos animais domésticos é complementado pela exploração de recursos silvestres, o que resulta numa alimentação abundante e equilibrada cuja base é constituída por cereais, leguminosas, carne de boi e de carneiro.
A importância do cereal, em abstracto e seja qual for, é enorme no surgimento da arte culinária - a mulher pôs os cereais e as leguminosas a amolecer, cozeu-os no fogo, fez papas, e passou a alimentar facilmente crianças e velhos. Entre duas pedras moeu o grão, fez farinha, amassou o pão e assou-o no forno. Fermentou a cevada e fez cerveja.
Uma das mais valiosas contribuições para a gastronomia foi a descoberta do sal, que era inicialmente extraído de pedras, sobretudo ardósias, observando os animais que as lambiam. Só mais tarde foi extraído do mar.
Inventou-se também o forno de barro amassado, o qual revelava os sabores, dando o exacto ponto de assadura aos alimentos. A cozinha requinta-se, dando origem às primeiras combinações de carnes, aves ou peixes.
E, com maiores ou menores variantes, assim se foi cozinhando e comendo até à Antiguidade Clássica.
[1] Cf. PERLÈS, C. “As estratégias alimentares nos tempos pré-históricos”, in História da Alimentação, Dir. de Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari, Vol. I. Lisboa, Terramar, 1998, pp. 25-40.

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