"São um dos símbolos da mesa que mais remetem para a época pascal. Fomos à procura das raízes das amêndoas e temos também uma receita para que possa fazê-las em casa - a Páscoa, como o Natal, pode ser quando o homem quiser.As amêndoas doces são um dos mais expressivos, conhecidos e apreciados símbolos pascais. Não há afilhado que não as deseje e nenhum padrinho cumpridor das tradições que se esqueça de as dar. As mais clássicas lembram ovinhos doces. Ovos, matriz da vida. Aleluia!
A Páscoa é a principal festa religiosa dos judeus celebrada anualmente para assinalar a saída do Egipto (o Êxodo), dirigida por Moisés, para a Terra Prometida. Assinala a passagem ("pesack") do anjo que exterminou os primogénitos dos egípcios. Obrigatório, como comida ritual, o cordeiro, assado inteiro, as ervas amargas e o pão ázimo, lembrando que, na aflição da partida, nem tempo houve para a massa levedar.
Os cristãos fizeram da Páscoa a festa da Ressurreição de Jesus Cristo, a mais significativa celebração do seu calendário. Festa da família, à Páscoa dos cristãos aparecem associados o comer e o beber, tanto mais que é antecedida de um período, a Quaresma, tempo de abstinência e jejuns, ao menos por aqueles que encaram os preceitos religiosos com seriedade. Assinala o etnógrafo Ernesto Veiga de Oliveira, na sua obra "Festividades Cíclicas em Portugal" (Publicações Dom Quixote), que "a Páscoa é, em Portugal, uma época característica de presentes cerimoniais, nomeadamente de natureza alimentar, e os presentes da Páscoa levam o nome genérico de "folares". Ou "amêndoas", acrescento eu, que, em miúdo, ouvi algumas vezes a recomendação: "Não te esqueças de pedir a bênção ao teu padrinho, para ele te dar as amêndoas". Ou, por vezes, "o folar".
Num livro indispensável a quem queira aprofundar a informação sobre o tema, "Festas e Comeres do Povo Português", 2 volumes (Editorial Verbo, 1999), Maria de Lourdes Modesto e Afonso Praça constatam que "a amêndoa é hoje um dos símbolos da festa pascal", devendo assinalar-se que as chamadas "amêndoas da Páscoa" apresentam uma forma que se aproxima muito da dos ovos. São as "amêndoas francesas" - um "confeito confeccionado com uma amêndoa revestida de açúcar endurecido, liso, branco ou de cor", segundo definição do Larousse Gastronomique. Modernamente, a amêndoa é muitas vezes substituída por avelã, pistácio e, pasme-se!, até amendoim e chocolate. E, mais, acrescento eu, pinhões, torrados ou não, que dão origem a umas amendoinhas, um pouco mais pequenas do que ovinhos de carriça, que são uma delícia. E as de licor? Um dos presentes mais desejados por muitos afilhados, que se encantam com estes confeitos de açúcar em forma de passarinhos, feijões, favas, ervilhas e outros, que, rompida a camada fina de açúcar endurecido, inundam a boca com os sabores delicados de licores.
Voltando ao texto de Maria de Lourdes Modesto e Afonso Praça, eles lembram que "os primeiros confeitos só apareceram quando o açúcar foi introduzido na Europa". Segundo a mesma fonte, até meados do século XIX, as amêndoas confeitas fabricavam-se à mão, artesanalmente, e só em 1850 surgiu a primeira turbina mecânica. Lê-se no Larousse Gastronomique que, "quer se trate de confeitos de amêndoas, de avelãs ou de pistácios, de confeitos envolvidos por amêndoas torradas aos pedacinhos ou de confeitos recheados, a técnica de confecção é sempre a mesma; só muda o recheio. As amêndoas mais afamadas são de origem italiana (as "avolas", chatas e regulares), as espanholas ("planetas"), ligeiramente abauladas, que são menos regulares. As amêndoas são metidas na turbina, molhadas três vezes com uma mistura de goma arábica e açúcar, secas e depois cobertas com um xarope de açúcar concentrado; são de seguida branqueadas (num xarope de açúcar a que se adicionou amido), depois polidas e eventualmente coloridas".
"Entre nós - informam Maria de Lourdes Modesto e Afonso Praça - há muito quem aprecie as chamadas "amêndoas francesas", mas deve dizer-se que algumas que recebem esta designação são de fabrico nacional. Em Portugal fazem-se de resto umas óptimas amêndoas de sobremesa, a que se chamam enxovalhadas. Mas há umas amêndoas de fabrico artesanal, que merecem uma referência especial: as "amêndoas cobertas" de Moncorvo. São, de certo modo, uma especialidade da vila, mas toda a gente conhece estas amêndoas na região, uma vez que as "doceiras de Moncorvo" se encarregam de as promover nas festas e romarias onde montam a sua mesa para vender súplicas, económicos, licor de canela e, naturalmente, as amêndoas cobertas".
Receita
Amêndoas de sobremesa ou enxovalhadas
1 chávena de amêndoas + uma chávena de açúcar + uma chávena de água + uma pitada de canela (facultativo)
Sem se pelarem, esfregam-se as amêndoas num pano. Num tacho, de preferência de cobre, deitam-se as amêndoas, o açúcar e a água e deixa-se repousar uns quinze minutos para amolecer o açúcar. Depois, leva-se o tacho a lume muito forte para levantar fervura rapidamente. Reduz-se imediatamente o calor para o mínimo, agitando o tacho de vez em quando, até o açúcar fazer ponto de areia, isto é, até que o açúcar solidifique e se agarre às amêndoas e às paredes do tacho. Nesta altura, volta a intensificar-se o calor e, mexendo vigorosamente com uma colher de pau forte, separam-se as amêndoas, tanto quanto possível, deixando-as caramelizar muito ligeiramente. Deitam-se as amêndoas imediatamente sobre a pedra da mesa, untada com óleo de amêndoas doces ou outro de sabor neutro. Depois de frias, separam-se. Guardam-se em caixas de folha para evitar que amoleçam.
Nota: Para que as amêndoas se conservem macias, é fundamental que o caramelo final seja na realidade muito ligeiro."
Maria de Loures Modesto, Afonso Praça, Nuno Calvet (fotos), Festas e Comeres do Povo Português, Volume II, Editorial Verbo, 1999
David Lopes Ramos (Março 2009)
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